Ararinhas-azuis em um recinto especialmente construído no Zoológico de São Paulo

Ararinha azul e circovírus: quando a história de conservação mais emblemática do Brasil enfrenta seu maior risco

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Entenda como a detecção de circovírus ameaça o retorno da Ararinha-azul à natureza e por que a sobrevivência da espécie agora depende de ações rápidas em conservação e biossegurança.

A história da Ararinha-azul (Cyanopsitta spixii) é, sozinha, um capítulo inteiro da conservação no Brasil. É memória, alerta e síntese. Uma espécie nativa, restrita à Caatinga, desapareceu da natureza após décadas de retirada ilegal e perda de habitat. Extinta em vida livre desde o ano 2000, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês), a Ararinha foi empurrada ao limite por um dos motores históricos de desaparecimento de espécies: o tráfico e o comércio de fauna. 

Durante o século XX a beleza e o status associados à posse da ave alimentaram um mercado internacional intenso que transformou um animal brasileiro em artigo de luxo. Há registros de que, na década de 1980, um único exemplar chegou a ser vendido por 40 mil dólares. Isso ilustra o tamanho da demanda econômica que impulsionou sua retirada sistemática da natureza. Como resultado, a espécie colapsou ecologicamente no Brasil enquanto indivíduos sobreviviam apenas em coleções privadas fora do país. 

Para entender como essa lógica ainda sustenta extinções e tráfico até hoje, recomendamos o conteúdo detalhado sobre comércio ilegal e ameaça à fauna.  

Um símbolo vivo, mas estrangeiro de si mesmo 

Em 2019 existiam cerca de 166 Ararinhas em cativeiro no mundo, sendo 147 na Alemanha, 4 na Bélgica, 2 em Cingapura e apenas 13 no Brasil. Esse dado é particularmente simbólico: a espécie brasileira estava viva, mas exilada de seu próprio território.  

Isso comprova algo importante: conservação não é manter organismos vivos em cativeiro, é mantê-los vivos na natureza. Não é preservar corpos, mas preservar funções. 

O retorno do azul ao sertão: a reintrodução histórica 

A partir dos indivíduos mantidos no exterior o Brasil iniciou, com cooperação internacional, o processo de repatriação. Em 2022 foram soltas as primeiras Ararinhas na Caatinga em Curaçá, Bahia. Em outubro de 2023 nasceram os primeiros filhotes em vida livre. 

Esse momento não foi apenas biológico, mas histórico. Significou que a extinção começava a ser revertida. A refaunação não era teoria, era vida em ato. 

2025: o circovírus interrompe o que parecia irreversível 

No entanto, em novembro de 2025 o Institudo Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) confirmou um alerta grave. As 11 Ararinhas recapturadas para monitoramento testaram positivo para circovírus, agente causador da Doença do Bico e das Penas dos Psitacídeos (PBFD). 

O vírus não tem cura. Os sintomas incluem falhas no empenamento, despigmentação das penas, deformidades no bico, imunossupressão profunda e, na maioria dos casos, morte. Até então, não havia registro da doença em vida livre no Brasil. 

Isso significa que uma espécie que levou vinte anos para retornar à natureza pode estar novamente ameaçada. Se o vírus circular no ambiente, poderá afetar Ararinhas recém soltas, filhotes e outras espécies de psitacídeos silvestres. 

Criar não é conservar. Conservar é devolver ao ecossistema. 

Essa situação expõe um equívoco recorrente no debate público. Criadores frequentemente afirmam que "criar é conservar", mas a experiência da Ararinha mostra o oposto. O comércio e a criação em cativeiro foram parte do problema que levou ao desaparecimento da espécie em vida livre. Manter animais em cativeiro não protege função ecológica, apenas confina animais a pequenos recintos.  

Conservar implica em: 

  •  território com vegetação funcional
  •  fluxo genético livre
  •  interações ecológicas ativas
  •  dispersão de sementes
  •  ocupação do nicho ambiental 

Criar mantém indivíduos. 
Conservar mantém sistemas vivos. 

Função ecológica da Ararinha e o impacto da defaunação 

A Ararinha não era apenas um símbolo visual. Era dispersora de sementes, ativadora de regeneração natural, conectora de manchas de vegetação. Quando desapareceu, a Caatinga diminuiu a capacidade de recompor-se. Isso é defaunação: o bioma continua existindo graficamente, mas deixa de funcionar plenamente. 

Sem fauna dispersora há menor variabilidade vegetal e resiliência ecológica reduzida. 
Um bioma pode se manter visualmente verde enquanto se aproxima silenciosamente da desertificação funcional. 

Conservação no Brasil agora é uma decisão e não um destino 

O circovírus coloca o Brasil diante de uma escolha. Não é apenas uma questão biológica, mas política e institucional. 

Será preciso: 

  1. ampliar vigilância epidemiológica para fauna silvestre
  2. fortalecer quarentenas e biossegurança em reintroduções
  3. restaurar corredores ecológicos e habitat primário
  4. combater o comércio e o tráfico com mais rigor
  5. financiar conservação como política de Estado e não como projeto esporádico
  6. integrar áreas de saúde, meio ambiente e pesquisa científica 

O futuro da Ararinha dependerá menos do vírus e mais da resposta do país. 

O que pode acontecer nos próximos anos 

  • A reintrodução pode ser retomada com protocolos sanitários reforçados.
  • A espécie pode sobreviver em vida livre, porém sob monitoramento contínuo.
  • A população pode regredir e retornar ao cativeiro como última alternativa. 

A única forma de impedir o retrocesso é tratar conservação como prioridade, e não como episódio. 

Para continuar estudando dentro do nosso próprio ecossistema de conhecimento 

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Conclusão 

A Ararinha azul já desapareceu uma vez. Só retornou porque houve esforço global, cooperação, ciência, política e persistência. Agora enfrenta seu maior risco desde a extinção em vida livre. O vírus é alerta. A resposta será destino. 

Conservação verdadeira não é preservar o indivíduo em cativeiro, e sim preservar sua existência funcional no ambiente. Se queremos Ararinhas no céu e não apenas em registros históricos, o momento de agir é agora. 

Referências e bases utilizadas

O material escrito foi construído a partir de fontes jornalísticas que confirmam a situação atual das ararinhas azuis em vida livre no Brasil e de diretrizes reconhecidas internacionalmente para conservação, reintrodução e vigilância de fauna silvestre. Os pontos sobre políticas necessárias derivam de recomendações técnicas validadas por órgãos científicos e ambientais.

Sobre a infecção por circovírus nas ararinhas-azuis

• Folha de S. Paulo, Todas as ararinhas azuis soltas por projeto que tenta salvar a espécie estão infectadas com vírus letal, diz governo, 2025.

• Superinteressante, Últimas ararinhas azuis da natureza testam positivo para circovírus, 2025.

Diretrizes para reintrodução, saúde e vigilãncia de fauna

• IUCN, Guidelines for Reintroductions and Other Conservation Translocations, 2013.

• OIE, Wildlife Health Framework, 2020.

Corredores ecológicos, restauração e conservação estruturante

• MapBiomas, Relatório Anual de Cobertura e Uso da Terra no Brasil, edição recente.

• WWF Brasil, Corredores ecológicos e conservação da biodiversidade, 2022.

• IPBES, Global Assessment Report on Biodiversity and Ecosystem Services, 2019.

 

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A imagem utilizada nesta publicação é do Zoológico de São Paulo.

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