Fronteira entre área agrícola e vegetação nativa em área rural do Centro-Oeste brasileiro, região onde a investigação foi conduzida. (Foto: Fernando Martinho/Proteção Animal Mundial)

Gado de área protegida desmatada chega à JBS através de esquema de triangulação

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Novo levantamento da Proteção Animal Mundial identificou que a JBS voltou a comprar em 2024 gado de uma fazenda já denunciada por receber animais criados dentro de área protegida.

O Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco, no Mato Grosso, é um ponto de encontro de três biomas. Um território onde voam um quarto de todas as espécies de aves do Brasil, onde o raro falcão-de-peito-laranja vive e onde a ariranha e o tamanduá-bandeira lutam para sobreviver. Em quase trinta anos, 12 mil hectares de mata nativa desapareceram dentro dessa unidade de conservação, o equivalente a 17 mil campos de futebol.

Por trás dessa destruição se repete um padrão conhecido. Bois criados ilegalmente em áreas desmatadas são transferidos para fazendas "limpas" antes de serem vendidos a frigoríficos. Essa prática, chamada de triangulação, mascara a origem real do gado e transforma o crime ambiental em um negócio que atravessa fronteiras.

Gado confinado no centro-oeste brasileiro, na região onde a investigação foi conduzida. 

(Foto: Fernando Martinho/Proteção Animal Mundial) 

JBS voltou a comprar de fornecedor já denunciado

Novo levantamento da Proteção Animal Mundial identificou que a JBS voltou a comprar em 2024 gado de uma fazenda já denunciada por receber animais criados dentro do parque. A compra ocorreu mesmo após alertas públicos feitos por organizações como Greenpeace e Repórter Brasil.

Entre 2018 e 2024, a JBS adquiriu pelo menos 6.790 cabeças de gado de fazendas que funcionam como intermediárias no esquema de triangulação. Só em 2024, foram 790 animais adquiridos da mesma fazenda denunciada anteriormente, chegando à unidade da empresa em Pontes e Lacerda (MT). Esse frigorífico está habilitado para exportar carne à União Europeia, China e Canadá.

Parque Estadual da Serra Ricardo Franco. (Foto: Fernando Martinho/Proteção Animal Mundial) 

No papel, tudo parece regular. Na prática, gado de áreas protegidas chega ao mercado internacional através dessas fazendas intermediárias.

Como funciona o esquema de triangulação

O esquema funciona de forma a contornar os sistemas de controle:

1. Criação em área ilegal

O gado é criado onde a atividade pecuária é proibida, como dentro do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco. No caso investigado, a Fazenda Paredão tem 4.241 hectares, metade deles desmatados ilegalmente dentro dos limites do parque.

2. Transferência para fazenda intermediária

Os animais são transferidos para uma propriedade com documentação em dia, a chamada "fazenda de passagem". Essa transferência pode ocorrer dias ou semanas antes da venda ao frigorífico.

3. Emissão da Guia de Trânsito Animal (GTA)

Da fazenda intermediária é emitida a GTA, documento que registra apenas a última propriedade, sem mencionar a origem anterior.

4. Venda ao frigorífico

Com a GTA da fazenda regularizada, o gado é vendido. O frigorífico registra a origem informada no documento, sem rastrear a procedência anterior dos animais.

Criação de gado dentro do Parque Estadual da Serra Ricardo Franco. (Foto: Fernando Martinho/Proteção Animal Mundial) 

Apenas em 2024, a Fazenda Barra Mansa (a intermediária no esquema) recebeu 1.285 bois da Fazenda Paredão e vendeu 790 cabeças para a JBS em Pontes e Lacerda.

Fornecedor mantido após denúncias públicas

Em 2020, Greenpeace e Repórter Brasil denunciaram publicamente a triangulação de gado envolvendo a Fazenda Paredão e a Barra Mansa. A JBS foi alertada sobre o esquema naquele ano. Quatro anos depois, em 2024, registros oficiais mostram que a empresa voltou a comprar do mesmo fornecedor.

Os dados indicam que, apesar dos alertas e das denúncias anteriores, o fornecimento foi retomado. O caso evidencia limitações nos sistemas de rastreabilidade que deveriam impedir que gado de origem irregular chegue aos frigoríficos.

Entrada da Fazenda Paredão, localizada dentro do Parque Estadual da Serra Ricardo Franco. 

(Foto: Fernando Martinho/Proteção Animal Mundial) 

Enquanto a JBS comunica ao mercado internacional seus compromissos de sustentabilidade, os registros mostram que sua cadeia de fornecimento segue incluindo fazendas que recebem gado de áreas protegidas onde a criação é ilegal.

O que está em jogo

O Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco abriga um quarto de todas as espécies de aves do país. É lar de animais raros como o falcão-de-peito-laranja, o tamanduá-bandeira e a ariranha. Cada hectare destruído representa a perda de equilíbrio ecológico e o enfraquecimento de três biomas que sustentam a vida do país.

Este caso ilustra como o esquema de triangulação permite que gado de áreas protegidas desmatadas chegue aos frigoríficos e, posteriormente, aos mercados internacionais. Isso inclui países com exigências socioambientais rigorosas.

A Proteção Animal Mundial segue investigando e documentando a cadeia de fornecimento da carne bovina. A rastreabilidade completa é essencial para identificar e interromper esquemas que permitem que desmatamento ilegal se transforme em produto exportável.

Leia o relatório completo da investigação clicando aqui

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Animais da Fazenda Paredão, que teve sua área embargada e as atividades proibidas devido a infrações ambientais.

(Foto: Fernando Martinho/Proteção Animal Mundial)