
Ao flexibilizar o licenciamento ambiental, o Brasil oficializa a negligência como política de Estado e transfere o custo do progresso para quem menos pode pagar
A aprovação do Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental pela Câmara dos Deputados representa muito mais do que um ajuste normativo no marco regulatório ambiental brasileiro. Ela simboliza um deslocamento perigoso das prioridades do país: da precaução para a permissividade, da proteção da vida para a flexibilização de interesses econômicos imediatistas.
É a institucionalização do risco para os ecossistemas, para as comunidades tradicionais e para milhões de animais silvestres que habitam os biomas ameaçados pelo avanço desregulado da fronteira produtiva.
O novo texto, além de incluir a mineração, mantém a espinha dorsal de fragilização do processo de licenciamento, abandona os princípios de prevenção e participação pública que deveriam orientar qualquer decisão ambiental. Ao permitir, por exemplo, que atividades sejam autorizadas com base em autodeclarações ou dispensadas de estudos de impacto, o Estado se afasta de sua responsabilidade constitucional de garantir um meio ambiente equilibrado e seguro para as presentes e futuras gerações.
Não se trata de um debate técnico. Trata-se de uma disputa de projeto de país.
A flexibilização do licenciamento não é neutra: ela beneficia setores específicos, parte da agropecuária, da infraestrutura pesada, do extrativismo predatório, e deixa como saldo um passivo ambiental que será pago por toda a sociedade.
São barragens liberadas sem avaliação adequada, rodovias que cortam territórios indígenas, áreas de desmatamento que comprometem nascentes, animais silvestres desalojados e empurrados para zonas de conflito com humanos. São tragédias que deixam de ser acidentes e passam a ser previsíveis. E por isso, inaceitáveis.
Aqui na Proteção Animal Mundial, temos insistido que o bem-estar animal não pode ser apartado do debate sobre licenciamento ambiental. Quando um empreendimento é aprovado sem o devido cuidado, são populações inteiras de fauna que perdem seu habitat, são corredores ecológicos que são interrompidos, são espécies que caminham para a extinção. E esse processo, ao contrário do que se prega, não é "desenvolvimento". É negligência oficializada.
É preciso reconhecer que as mudanças estruturais que desejamos para proteger o meio ambiente, os animais e os direitos das comunidades não virão sem organização política.
Precisamos ocupar espaços de decisão, fortalecer nossas redes de mobilização, pressionar o poder público em todas as esferas. A luta pelo meio ambiente e pelos animais não se faz apenas nos bastidores técnicos, mas na arena política, nas ruas, nas urnas, na formação de uma cidadania crítica que não aceite retrocessos disfarçados de modernização.
O Brasil que queremos passa, necessariamente, por um licenciamento ambiental robusto, transparente e comprometido com a vida em todas as suas formas. A aprovação desse projeto de lei é um alerta.
Que ele não seja um ponto final, mas o início de um novo capítulo de resistência.