
Por que incluir o bem-estar animal na agenda climática é urgente
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Sem considerar o bem-estar animal, políticas climáticas seguem incompletas e eticamente frágeis
Nos debates sobre a crise climática, muito se fala em energia limpa, transição verde e metas de redução de emissão de carbono. Porém, pouco se fala sobre os animais que, invisíveis nas políticas e nos discursos, vivem um sofrimento duplo - sejam os confinados e maltratados nos sistemas industriais de produção, sejam os animais silvestres que não sobrevivem à perda de seus territórios.
A crise climática também é uma crise de bem-estar animal. Um estudo do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoção de Gases do Efeito Estufa (SEEG, 2023) mostra que os sistemas alimentares são responsáveis por 73,7% das emissões brutas de gases de efeito estufa no Brasil. Quando considerado um recorte por cadeia produtiva, em função da dimensão do rebanho bovino nacional, das áreas transformadas em pastagem e da criação em confinamento, a produção de carne bovina é a que mais contribuiu para as emissões alocadas nos sistemas alimentares em 2021.
Se por um lado os animais de fazenda sofrem em confinamento e gaiolas para atender à lógica da produção industrial, por outro, os animais silvestres perdem seus habitats para dar espaço a pastos e monoculturas.
Ambos são vítimas invisíveis da mesma lógica destrutiva, esquecidos nas decisões econômicas e políticas. São vítimas diretas da destruição ambiental e dos eventos extremos provocados pela mudança do clima. Os incêndios no Pantanal em 2020, por exemplo, deixaram mais de 17 milhões de vertebrados mortos ou feridos. Em cada seca, enchente ou onda de calor, milhares de vidas desaparecem sem registro, sem socorro e sem espaço nas agendas públicas.
Esse duplo sofrimento revela uma contradição central: enquanto a pecuária é uma das maiores causas da crise climática, ela também produz vítimas dentro de si mesma. É um ciclo de dor que retroalimenta o colapso ambiental. Mesmo assim, o tema segue fora do radar das principais políticas climáticas brasileiras.
As ações e metas de redução de emissão, as “Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil” e os planos de ação climática em construção para a COP30 praticamente não mencionam o bem-estar animal. E quando mencionam, o fazem sob a ótica produtivista: animais são “recursos” a serem manejados, não seres sencientes afetados pelas transformações do planeta. Essa omissão reforça um padrão histórico de invisibilidade - o de um modelo de desenvolvimento que ignora a interdependência entre espécies e a dimensão ética da crise.
Mas há outro caminho possível, com alternativas concretas e integradoras: sistemas agroecológicos, reflorestamento e refaunação de ecossistemas degradados e políticas baseadas no conceito de Saúde Única (One Health), que reconhecem o vínculo entre saúde humana, animal e ambiental. Essas abordagens mostram que incluir o bem-estar animal não é um luxo moral, e sim uma necessidade estratégica para garantir resiliência, segurança alimentar e equilíbrio ecológico.
Valorizar a sociobiodiversidade é parte essencial dessa transformação. Povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares há séculos manejam seus territórios de forma integrada com os animais e o ambiente, sustentando práticas que conservam florestas, preservam nascentes e mantêm vivas espécies ameaçadas.
Reconhecer e fortalecer esses modos de vida é reconhecer que o cuidado com os animais faz parte de um saber ancestral e coletivo, que combina ética, conhecimento e equilíbrio ecológico. Políticas públicas que promovam o bem-estar animal também devem proteger esses modos de vida e incluir suas vozes nas decisões climáticas.
A invisibilidade dos animais na crise climática não é apenas uma falha ética. É também uma falha de política pública. Ignorar o sofrimento animal significa ignorar indicadores essenciais do colapso ambiental. A degradação que hoje atinge os biomas brasileiros, da Amazônia ao Pantanal, é também medida na dor dos corpos que ardem, se afogam ou são forçados ao confinamento.
É urgente ampliar o campo de visão das políticas climáticas. Animais não são apenas vítimas passivas da crise, mas parte fundamental das soluções. Incorporar o bem-estar animal à agenda climática é reconhecer que não existe justiça climática sem justiça para todas as formas de vida.
Dar visibilidade ao que está escondido é, portanto, o primeiro passo. A emergência climática é um chamado à empatia e à responsabilidade. Cuidar dos animais é cuidar do planeta e, consequentemente, de nós mesmos.