pássaro pousado em vegetação queimada

Sem clima para a fauna

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É urgente ampliar o campo de visão das políticas climáticas. Animais não são apenas vítimas passivas da crise, mas parte fundamental das soluções

Nos debates sobre a crise climática, muito se fala em energia limpa, transição verde e metas de redução de emissão de carbono. Pouco, porém, se fala sobre os animais que, invisíveis nas políticas públicas e nos discursos, vivem um sofrimento duplo, confinados e maltratados nos sistemas industriais de produção para atender à lógica da produção em massa, a exemplo de porcos e galinhas, ou os animais silvestres que não sobrevivem à perda de seus territórios para dar espaço a pastagens e monoculturas. Ambos são afetados por uma mesma lógica destrutiva, que prioriza o lucro, perdendo vidas.

Um dos reflexos dessa lógica perversa é que as ações e metas de redução de emissão, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) do Brasil e os planos de ação climática em construção para a COP30 praticamente não mencionam o bem-estar animal. E, quando mencionam, o fazem sob a ótica produtivista, entendendo os animais como recursos a serem manejados, e não como seres sencientes — ou seja, capazes de sentir emoções complexas, como medo e alegria, afetados pelas transformações do planeta. Essa omissão reforça um padrão histórico de invisibilidade e aposta em um modelo de desenvolvimento que ignora a interdependência entre espécies e a dimensão ética da crise.


É inegável que a crise climática também é uma crise de bem-estar animal, como se pode constatar a partir do estudo do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoção de Gases do Efeito Estufa (SEEG, 2023). A forma como produzimos, distribuímos, consumimos e descartamos nossos alimentos são responsáveis por 74% das emissões brutas no Brasil. Quando considerado um recorte por cadeia produtiva, a produção de carne bovina é a que mais contribuiu para as emissões alocadas nos sistemas alimentares em 2021. 
Isso se deve à dimensão do rebanho bovino nacional, das áreas transformadas em pastagem e da criação em confinamento.

Esse modelo de produção que coloca o agronegócio em evidência deixa de fora os animais dos debates sobre meio-ambiente e das decisões econômicas e políticas, apesar do grave impacto que a fauna sofre com os eventos extremos provocados pela mudança do clima, muito em parte por conta dessa atividade que causa impactos reais nos biomas ao destruir habitats para ampliar áreas de pastagens e criar monoculturas de milho e soja destinadas a virar ração para alimentar animais confinados no modelo de pecuária industrial.

Os incêndios no Pantanal em 2020, por exemplo, deixaram mais de 17 milhões de vertebrados mortos ou feridos. Em cada seca, enchente ou onda de calor, milhares de vidas desaparecem sem um registro, sem socorro ou espaço nas agendas públicas.


Mas há outro caminho possível, com alternativas integradoras e que há muito vem sendo defendido pela sociedade civil. Muito mais que uma prática agrícola, a agroecologia representa uma visão de mundo que valoriza os saberes tradicionais e o conhecimento popular das comunidades locais.

A produção agroecológica promove justiça econômica e social, ao mesmo tempo em que cuida do meio ambiente e reconhece o bem-estar animal como parte essencial da resiliência do sistema alimentar. Por isso, políticas públicas que promovam o bem-estar animal também devem proteger esses povos tradicionais e comunidades locais, incluindo suas vozes nas decisões climáticas.

Para tanto, é essencial que, além da agroecologia e da valorização da sociobiodiversidade, o bem-estar animal ganhe visibilidade nacional e internacional no Plano Clima e na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Dar espaço a essas pautas é fundamental para construir políticas mais justas, eficazes e alinhadas com os compromissos de mitigação e adaptação climática. 


A invisibilidade dos animais na crise climática não é apenas uma falha ética, mas também de política pública, e ignorar o sofrimento animal significa desprezar indicadores essenciais do colapso ambiental. A degradação que hoje atinge os biomas brasileiros pode ser medida na dor dos corpos que ardem, se afogam ou são forçados ao confinamento.

Por isso, é urgente ampliar o campo de visão das políticas climáticas. Animais não são apenas vítimas passivas da crise, mas parte fundamental das soluções.

Incorporar o bem-estar animal à agenda climática é reconhecer que não existe justiça climática sem justiça para todas as formas de vida.

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