Silvestre não é pet: por que o comércio de animais silvestres ameaça a biodiversidade e o equilíbrio climático
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Entenda como o comércio de animais silvestres no Brasil e no mundo alimenta o tráfico, causa sofrimento, ameaça a biodiversidade e impacta o clima. Dados, análises e links da Proteção Animal Mundial.
O comércio de animais silvestres é uma atividade antiga que segue crescendo e se transformando, influenciada pela digitalização, pela demanda por espécies exóticas e pelo desejo de manter indivíduos selvagens como pets. No Brasil, mesmo com regulamentação, o cenário segue marcado por problemas éticos, ambientais e legais.
A mais recente compilação pública de dados sobre esse mercado está no relatório do Ibama de 2019 chamado “Diagnóstico da criação comercial de animais silvestres no Brasil”. Apesar de mudanças recentes, como o aumento das vendas on-line durante a pandemia, os números de 2019 ainda ajudam a entender tendências significativas.
Este texto apresenta como funciona o sistema brasileiro, quem o integra, quais espécies são mais envolvidas, como o legal e o ilegal se relacionam, como o mercado se conecta ao comércio global e por que silvestre não é pet.
As duas formas de criação de silvestres no Brasil
O sistema brasileiro tem dois tipos principais de empreendimentos autorizados a manter animais silvestres em cativeiro: criação amadorista e criação comercial. Cada uma delas movimenta dinâmicas muito diferentes.
Criação amadorista, a gigante do sistema
A criação amadorista representa 97,49% dos animais silvestres em cativeiro. Esse modelo é dominado por aves Passeriformes como canários da terra, trinca ferros, curiós e bicudos.
Embora muitos criadores aleguem ausência de fins comerciais, a troca de indivíduos é comum. Essa prática tem impacto direto sobre populações naturais, uma vez que muitos animais são capturados ilegalmente e encontrados em apreensões.
Entre 2018 e 2022, houve 4.215 notícias sobre apreensões relacionadas ao tráfico, com aproximadamente 142 mil animais vivos apreendidos. Quando não interceptados, muitos desses animais entram na criação legalizada por meio de falsificação de anilhas.
Para aprofundar, consulte:
Crueldade à Venda, relatório da Proteção Animal Mundial
Criação comercial, pequena em número, grande em impacto
A criação comercial corresponde a apenas 2,31% dos empreendimentos, mas movimenta muito dinheiro. Em 2019, o país tinha 523 empreendimentos comerciais ativos, sendo 438 criadouros e 85 estabelecimentos comerciais.
A diferença é simples: criadores reproduzem e vendem animais, enquanto estabelecimentos apenas comercializam indivíduos e produtos derivados.
O total de animais registrados nesses empreendimentos era de 488.864 indivíduos, distribuídos de forma desigual pelo território. Mais de 60% estavam no Sudeste, com São Paulo representando quase 35% dos criadouros.
Enquanto a região Sudeste concentra criadouros voltados ao mercado pet, as regiões Norte e Centro Oeste têm mais unidades destinadas ao abate e à produção de partes como couro e carne.
O que o Brasil cria em cativeiro
A maioria dos criadouros comerciais trabalha com apenas uma classe de animais. Dos empreendimentos registrados, 92,66% se dedicavam a uma única classe.
Entre eles, as 3 classes mais frequentes:
- 304 criam exclusivamente aves
- 57 criam répteis
- 40 criam mamíferos
As dez espécies mais criadas revelam tendências comerciais:
- Tartaruga-da-Amazônia
- Jacaré-do-Pantanal
- Jacaré-de-papo-amarelo
- Tracajá
- Bicudo-verdadeiro
- Curió
- Periquito-de-colar
- Jararaca-caiçaca
- Papagaio-verdadeiro
- Jabuti-piranga
As quatro primeiras dominavam os plantéis, somando mais de 335 mil indivíduos destinados ao abate. Já o mercado pet concentra bicudos, curiós, papagaios e araras.
Leia também:
Por que fauna e clima estão conectados

Mercados diferentes, propósitos distintos
Os dados do Ibama revelam diferenças marcantes:
- 77,44% dos empreendimentos têm finalidade pet, mas abrigam apenas 19,61% dos animais
- criadouros para abate representam 8,98%, mas concentram 77,91% dos indivíduos
Mesmo assim, o mercado pet foi responsável por 90% da receita total em 2019, cerca de 35,8 milhões de reais.
As redes sociais têm incentivado esse mercado. Vídeos de pessoas interagindo com animais silvestres, muitas vezes vestidos ou em situações humanizadas, criam uma imagem distorcida que ignora o sofrimento oculto. Esse tipo de exposição transforma animais selvagens em objetos de desejo, reforçando a exploração e alimentando a procura por espécies exóticas.
Quando o legal e o ilegal se confundem
A fronteira entre o comércio legal e o tráfico é extremamente frágil. Criadouros licenciados podem lavar animais retirados da natureza, registrando espécimes capturados como se fossem nascidos em cativeiro.
A fiscalização é insuficiente para acompanhar o volume de empreendimentos e a rastreabilidade ainda apresenta falhas. Assim, o tráfico continua aproveitando brechas legais e baixa fiscalização.
O relatório Crueldade à Venda, publicado pela Proteção Animal Mundial, mostra que diversas espécies apreendidas em ações contra o tráfico são as mesmas criadas legalmente, indicando que os mercados caminham juntos.
Leia mais sobre o tema clicando aqui.
O comércio global de fauna
O Brasil é parte de uma indústria global bilionária que envolve milhões de animais todos os anos.
Entre 2000 e 2020, a pesquisa da Faunalytics identificou 487 espécies criadas comercialmente em 90 países:
27 anfíbios,
133 répteis,
249 aves,
79 mamíferos.
Nesse período, foram mais de 950 milhões de animais criados para abastecer setores como moda, gastronomia de luxo, medicina tradicional e mercado pet. Alguns exemplos globais de animais explorados para cada mercado:
- Espécies mantidas como animais de estimação: pítons-bola, peixes-zebra e papagaios-cinzentos.
- Espécies usadas pela medicina tradicional ou moderna: tubarões e pangolins.
- Espécies usadas como fonte de alimento ou ração: grilos e sapos.
- Espécies criadas pela indústria de peles: crocodilos.
- Espécies exploradas em atividades turísticas: leões e elefantes.
Silvestre não é pet
Por trás de dados e relatórios está uma verdade simples. Animais silvestres não são pets. Eles pertencem à natureza e exercem funções essenciais para os ecossistemas. Confinados, deixam de realizar comportamentos naturais e sofrem por restrição de movimento e estresse.
Transformar animais em mercadorias, seja para consumo, moda ou companhia, interrompe ciclos ecológicos e perpetua sofrimento. Mesmo quando legalizada, a criação reforça a ideia de que a fauna pode ser explorada conforme interesses humanos.
Enquanto o comércio de fauna continuar visto como negócio e não como problema ético e ambiental, histórias de sofrimento continuarão se repetindo.
FAQ, perguntas que as pessoas mais fazem sobre o tema
Por que animais silvestres não podem ser pets
Porque eles precisam expressar comportamentos naturais como voo, caça, forrageio e deslocamento. Em cativeiro, essa liberdade é substituída por estresse, frustração e sofrimento físico e emocional.
O comércio legal reduz o tráfico
Não. Dados mostram que mercados legal e ilegal se misturam com facilidade e que criadouros podem lavar animais capturados na natureza.
Quais são os maiores impactos do comércio de fauna
Perda de biodiversidade, ruptura de ciclos ecológicos, sofrimento animal, incentivo ao tráfico, desequilíbrio ambiental, impacto na regeneração de florestas e transmissão de doenças zoonóticas.
O que fazer para ajudar
Evitar conteúdos que humanizam animais silvestres, informar outras pessoas, apoiar organizações de proteção animal e compartilhar materiais educativos.
O que você pode fazer agora
Cada pessoa pode ajudar a interromper esse ciclo de crueldade. Pequenas atitudes têm grande impacto:
- Nunca compre animais silvestres
- Denuncie casos de comércio ilegal ao Ibama (0800 61 8080)
- Compartilhe informações e conscientize sua rede
- Assine o Manifesto pela Vida Silvestre
- Apoie campanhas e projetos de reabilitação
- Doe e ajude a devolver a liberdade a animais vítimas do tráfico
Continue explorando o tema
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