tráfico de animais silvestres: imagem de várias araras presas em uma gaiola

Tráfico de animais silvestres: o que tem por trás desse lucrativo comércio ilegal

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Descubra os segredos por trás do mercado ilegal de animais silvestres e ajude a conscientizar sobre essa prática devastadora.

O comércio ilegal de animais silvestres é o terceiro maior do mundo, ficando atrás somente do tráfico de drogas e armas. Estima-se que 38 milhões de animais são traficados no Brasil por ano - vale mencionar que a mensuração de uma prática ilegal é sempre difícil, justamente porque é feito sem controle e escondido.

Entre 2018 e 2022, foram levantadas 4.215 notícias sobre apreensões de silvestres no Brasil por conta do tráfico com aproximadamente 142 mil animais vivos apreendidos. Imagina quantos animais não tiveram a mesma “sorte” de serem salvos pelas autoridades ambientais?  

Existem duas principais leis federais que tratam dessa prática: 1. A Lei Federal de Proteção à Fauna (nº 5197/67) que proíbe caçar, capturar, comercializar e criar qualquer animal da fauna silvestre sem autorização do Estado. 2. A Lei de Crimes Ambientais (nº9605/98) que especificou penas/punições para crimes contra a fauna, incluindo a caça e captura na natureza.

Mesmo assim, existem desafios na aplicação da legislação, facilitando esse cruel mercado, que ameaça à biodiversidade brasileira. 

Tipos de tráfico de animais

O tráfico de fauna está relacionado com diferentes desejos e interesses por animais silvestres. Entre as principais finalidades desse mercado estão: 

  • Animais silvestres como bichos de estimação: comumente aves canoras, papagaios, primatas e repteis (cobras e lagartos);  
  • Uso de partes do animal: (penas, ossos, pele, carne e crânios) como para medicina tradicional, gastronomia de luxo e troféus de caça; 
  • Colecionadores particulares: pessoas que buscam animais raros para ter em casa como símbolo de status. 

Tráfico de animais silvestres no Brasil

O comércio ilegal de animais no Brasil acontece de forma heterogênea pelo país e existe uma rota com animais capturados nas regiões norte e nordeste e levados para o sul e sudeste.

Olhando para o volume e os tipos de animais traficados no Brasil, as aves estão em primeiro lugar, com mais de 80% do número total de animais traficados, por conta da exuberância e dos cantos.

Em segundo lugar temos os peixes, depois mamíferos e répteisAlém disso, ao longo de toda a cadeia do tráfico, desde a captura, transporte até o destino, estão envolvidas diferentes pessoas, é um crime feito a várias mãos e bem articulado.

Ao longo dessa cadeia, as pessoas responsáveis por coletar os animais geralmente estão em situação de vulnerabilidade e recorrem ao “serviço” como uma alternativa de renda. Essa situação evidencia que o tráfico no Brasil é uma questão socioambiental, onde pessoas de baixa renda são cooptadas a participar.

Tráfico de animais silvestres em extinção

A lógica do mercado de oferta e demanda também acontece com o tráfico de fauna: quanto mais raro é um animal, maior é o desejo ou interesse e o preço que pagam por ele. Isso soa contraditório quando se trata de fauna, porque aqueles que apreciam um animal raro acabam contribuindo fortemente para sua extinção, já que são espécies com poucos indivíduos em vida livre. 

Um exemplo bastante famoso e representativo é o caso da ararinha azul (Cyanopsitta spixii). É uma ave nativa do Brasil que ocorre unicamente na caatinga, região nordestina, e está altamente ameaçada de extinção por causa do tráfico e perda de habitat.

A alta demanda por esse animal levou seu status de conservação para extinta na natureza, de acordo com a IUCN, sem nenhum exemplar vivo na natureza desde 2000. É uma ave muito requisitada para ser mantida como animal de estimação tanto no Brasil como em outros países da Europa e nos EUA, por conta de sua beleza exuberante e o status associado à posse desse animal.

Em 2019, havia 166 ararinhas-azuis em cativeiro no mundo, com 147 exemplares na Alemanha e apenas 14 no Brasil, ilustrando a escala internacional do comércio dessa ave.

A partir desses exemplares em cativeiro, foi possível articular a repatriação desses animais para seu habitat natural para que voltem a ocupar a região, mas vale ressaltar que a criação em cativeiro não é a solução desse problema. Nesse caso, a manutenção de animais em cativeiro foi a origem do problema, visto que foi justamente o tráfico que levou à extinção em vida livre.

Em 2022, as primeiras 20 ararinhas foram soltas na natureza e, em outubro de 2023, nasceram os primeiros filhotes em vida livre, um grande acontecimento para a reintrodução da ararinha azul no Brasil.

Compra e venda de animais silvestres 

O comércio legalizado de animais silvestres está muito relacionado com o tráfico de fauna, embora isso não seja claro para muitas pessoas. Isso acontece porque o mercado legal desperta o interesse das pessoas e normaliza o uso da fauna como um produto a ser consumido, fazendo com que mais pessoas tenham o desejo de ter um exemplar silvestre em casa.

O problema é que muitas vezes as pessoas buscam preços mais em conta e acabam sendo atraídas por animais de origem ilegal, mesmo sem saber. Assim, mesmo amando animais e admirando eles, acabam estimulando o tráfico. Essa relação precisa ficar clara, para que deixem de estimular o mercado legalizado.  

O argumento de que o comércio legal combate ao tráfico é enganoso, como apontado no nosso relatório Crueldade à Venda, os animais mais comercializados legalmente são ainda os mais traficados, mostrando que a demanda por esses bichos continua alta nos dois mercados, justamente pela questão do preço.   

Além do mercado legal aumentar a demanda por animais silvestres, também existe a prática de “esquentar” um animal, que busca dar uma roupagem legalizada para um animal proveniente do tráfico. É muito comum a falsificação da documentação e registro do animal, fazendo com que pareça nascido em cativeiro e regulamentado, quando na verdade foi caçado na natureza.  

O IBAMA constatou, a partir de dados de 2010, que havia uma coincidência entre as espécies de Passeriformes mais apreendidas pelos agentes de fiscalização e as criadas com autorização e registradas no Sistema de Controle e Monitoramento da Atividade Amadora de Pássaros (SisPass).

A suspeita era de que criadores recebiam passarinhos capturados na natureza e, por meio de fraude, os marcavam para parecer que haviam nascido em cativeiro – o ilegal ganhava, portanto, aparência de legalizado.

O Ibama deixou, então, de fornecer as anilhas (anéis colocados nas pernas das aves com um número de identificação individual) que eram solicitadas pelos próprios criadores para marcar aves alegadamente nascidas em seus planteis.

Os agentes ambientais passaram a ir pessoalmente aos criatórios para, após verificarem a quantidade de nascimentos, entregar somente o número de anilhas necessário.

Em 2016, primeiro ano em que a operação passou a ser nacional, houve a redução de mais de 90% nas solicitações de anilhas e também de aproximadamente 60% nas declarações de nascimentos realizadas no sistema. Esse caso ilustra muito bem a íntima relação entre mercado legalizado e ilegal no Brasil.  

Ciclio vicioso: tráfico alimenta comércio legal

Outro exemplo que merece destaque é ciclo vicioso do tráfico alimentando o comércio legal: aves nascidas na natureza que foram vítimas do tráfico, após serem apreendidas pelo órgão fiscalizador, acabam sendo enviadas para criadouros comerciais pela falta de locais públicos adequados para manter um silvestre apreendido.

Os filhotes desses animais podem então ser vendidos legalmente como bichos de estimação. O procedimento de enviar para criadores comerciais animais capturados criminosamente em seus habitats e que acabam apreendidos pela fiscalização é permitido por lei.

Nesses casos, muitas vítimas do tráfico de fauna, que poderiam retornar à vida livre, passam a vida toda gerando filhotes para um comércio que é cruel, destinado a suprir apenas a vaidade humana.

Criados para lucrar: comércio global de animais silvestres

Em nosso novo relatório Criados para lucrar: a verdade sobre o comércio global de silvestres relatamos casos de animais que sofrem de desnutrição, doenças, ferimentos, feridas infectadas, comportamentos induzidos por estresse e até canibalismo.

Ao todo são mais de 5,5 bilhões de animais silvestres são criados sem parâmetros adequados de bem-estar animal em fazendas de aproximadamente 90 países. 

Na China, por exemplo, cerca de 20 mil ursos são criados em dezenas de fazendas para movimentar a indústria de bile de urso, avaliada em US$ 1 bilhão. A bile é extraída dos animais ainda vivos em um procedimento extremamente cruel. Os ursos gemem e tremem de dor. Essa é, sem dúvida, uma das formas mais extremas de maus-tratos aos animais no mundo. 

Na África do Sul, aproximadamente oito mil grandes felinos são criados em 366 instalações conhecidas e utilizadas para diversos fins na indústria que movimenta U$ 43 milhões, incluindo entretenimento turístico, caça de troféus e exportações de partes do corpo para a Ásia para medicina tradicional.

Acessar relatório completo

Principais consequências do tráfico de animais 

A atividade ilícita de caçar e comercializar um animal causa grandes consequências para a saúde pública e conservação da biodiversidade, sem contar no tremendo desconforto que afeta o bem o estar dos animais traficados.

1. Ameaça à conservação da biodiversidade

A caça de silvestres impulsiona o declínio populacional da espécie e pode causar desequilíbrios ambientais. A fauna silvestre é responsável por diversas funções ecológicas como polinização, dispersão de sementes e controle de pragas, e sua ausência impacta diretamente na qualidade da floresta.  

2. Prejudica o bem-estar animal

Para o indivíduo que está sendo traficado, não há a menor preocupação com a qualidade de vida, são arrancados do seu habitat natural, ficam amontoados em pequenos espaços insalubres, sem acesso adequado à água comida e luz natural.

Quando chegam ao destino final, são confinados a viver uma vida inteira em cativeiro, sem realizar seus comportamentos típicos na natureza e sem interagir com outros animais, passando a vida toda em sofrimento. 

3. Risco à saúde pública

O contato com animais silvestres e sua manutenção em cativeiros pode transmitir uma série de doenças zoonóticas já conhecidas, como Salmonella, leptospirose, raiva e psitacose. Além disso, aumentam as chances do surgimento de novos patógenos, como foi o caso da Covid 19.

Como denunciar o tráfico de animais silvestres? 

Se você identificar uma situação irregular envolvendo animais silvestres, não tente resgatar o animal sozinho, entrar em contato com os órgãos competentes para que o resgate e a captura sejam realizados de maneira apropriada. 

Faça a denúncia para o IBAMA pelo telefone 0800 61 8080 ou por emal linhaverde.sede@ibama.gov.br  ou denuncia.sede@ibama.gov.br, e forneça as informações relevantes sobre caso.

Registre o máximo de informações possível, incluindo o local da ocorrência, as placas dos veículos envolvidos, as características das pessoas envolvidas na compra e venda, os tipos de animais e outras informações relevantes.

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