Una cría de jaguar rescatada en Brasil que quedó huérfana debido a los incedios forestales en Brasil.

A história do Xamã: reabilitação do primeiro macho de onça-pintada à voltar para Amazônia

Comunicado de imprensa

Com o nosso apoio, Xamã será o primeiro macho de onça pintada a ser reintroduzido no bioma amazônico.

Em 17 de agosto de 2022, Xamã, um filhote macho de onça-pintada (Panthera onca, espécie Vulnerável no Brasil, ICMBio 2018), foi resgatado de uma fazenda próxima a uma área afetada pelos incêndios na Amazônia. Ele foi encontrado sozinho e desidratado.

Xamã foi levado ao Hospital Veterinário (Hovet) da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), na cidade de Sinop (500 km ao norte de Cuiabá), para receber tratamento e após algumas semanas de cuidados, se recuperou completamente.

Logo ficou evidente que, para ter uma chance de retornar à natureza, estar próximo a humanos em um pequeno recinto como órfão diminuiria suas chances. Portanto, foi necessário agir rapidamente para realocá-lo e ensinar as habilidades de sobrevivência necessárias.

Xamã mostrou sinais promissores desde cedo durante sua reabilitação. Inicialmente agressivo com humanos, permitia apenas que os funcionários entrassem em seu recinto para limpeza. Ele permanecia inativo durante o dia, mas mostrava atividade e brincadeiras à noite.

Nossa equipe, juntamente com a Onçafari e outras organizações locais, coordenaram esforços para mover Xamã para a região amazônica no estado do Pará, proporcionando-lhe um ambiente mais adequado para desenvolver as habilidades necessárias para sua sobrevivência.

Em janeiro de 2023, Xamã foi transferido para esse novo local (um espaço de 15 mil m2) onde permanece até sua soltura, prevista para acontecer no segundo semestre de 2024.

Quando atingir a maturidade e estiver apto para a reintrodução na natureza, será liberado em uma área adequada e segura para voltar a viver uma vida selvagem. Ao completar esse processo, Xamã será o primeiro macho da espécie no país a ter sido resgatado e reintroduzido com sucesso na Amazônia. 

Xamã, a rescued jaguar and victim if the wildfires in Brazil, is pictured in a transportation cage to his new wild enclosure.

Xamã, filhote de onça-pintada resgatado após queimadas. Imagem: Proteção Animal Mundial

“Xamã é mais uma vítima de uma marcha que está pulverizando as florestas brasileiras, e junto com elas nossa vida silvestre diversa e seus habitats. Esse animal símbolo da nossa fauna foi separado da família depois de um incêndio florestal. Teve a vida transformada para que as pessoas em todo o mundo possam comer carne em quantidades crescentes e pelo menor preço possível”, diz David Maziteli, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial.

“Empreender todos os esforços possíveis para tratar, reabilitar e devolver o Xamã ao ambiente de origem, onde ele poderá desempenhar na plenitude os seus comportamentos naturais, é tanto uma questão de responsabilidade coletiva quanto um ato de resistência contra o sistema alimentar e econômico insustentável que ameaça a existência de animais silvestres e humanos igualmente”

A experiência inédita de reintrodução de Xamã na Amazônia deve gerar conhecimentos científicos para a conservação de onças-pintadas em liberdade no bioma, e no país em geral, ajudando enfrentar pressões de desmatamento e incêndios florestais impulsionados pela expansão agropecuária, o avanço desordenado da urbanização, além de atividades ilegais de mineração, caça e tráfico de vida silvestre.

O Brasil é considerado um país chave para a conservação da espécie, uma vez que ainda concentra as maiores populações de onças-pintadas do mundo. Por possuir a área mais extensa de habitat adequado e não-fragmentado para este felino, a Amazônia é o território mais importante para a conservação da onça-pintada em longo prazo.

Entre outros aspectos, a presença das onças-pintadas, por sua vez, é estratégica para a preservação ambiental porque estes animais são muito sensíveis a perturbações ambientais e, por isso, são úteis no monitoramento da qualidade do habitat (espécie bioindicadora).

Todo esse projeto – do resgate à reintrodução de Xamã – está sendo empreendido por um conjunto de parceiros públicos e do terceiro setor. O processo de resgate, tratamento e guarda do animal até aqui esteve a cargo da equipe do Hovet/Setor de Atendimento de Animais Silvestres/UFMT, com acompanhamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Mato Grosso (Sema-MT). O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), atuaram na supervisão técnica e na gestão administrativa como autoridades públicas. 

Nós da Proteção Animal Mundial, organização não-governamental que trabalha em prol do bem-estar animal, atuamos como patrocinadores e consultores do projeto, acompanhamos localmente em Sinop a fase de recuperação de Xamã em colaboração com o Instituto Ecótono (IEco).

O Onçafari, entidade especialista em reintrodução de felinos no país, foi envolvido para viabilizar a reintrodução e assume a partir de agora, também aportando recursos, como parceiro no manejo de Xamã até a sua soltura e posterior monitoramento remoto na natureza.

“O que difere o Xamã do caso de outras onças-pintadas que nós recebemos e tratamos ao longo do tempo foi a concretização dessas parcerias, no momento e da maneira pela qual isso aconteceu”, conta a médica veterinária Elaine Dione Venêga da Conceição, professora da UFMT e responsável pelo Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hovet. “Os parceiros realmente fizeram a diferença ao reconhecer a importância do animal, a condição dele e a possibilidade de sucesso para reabilitação e soltura. Para além do suporte financeiro, que é sim fundamental, a presença, o acompanhamento, a troca de ideias trouxeram segurança e amparo para a equipe. A grande lição de todo esse processo é que proteção animal e conservação ambiental não se faz de forma solitária: é algo que se faz de mãos dadas”.

Depois do trauma, o melhor caminho possível

Xamã foi resgatado na região de Sinop em 17 de agosto do ano passado, quando tinha cerca de dois meses de idade e pouco mais de 10kg. Provavelmente havia se separado da mãe ao fugir de um grande incêndio florestal ocorrida nas imediações pouco antes.

Ele estava sozinho e assustado em uma propriedade privada nas imediações do Rio Teles Pires. Havia sido acuado por cães e apresentava um estado geral de desnutrição e desidratação. As autoridades foram comunicadas e Xamã foi capturado no mesmo dia e levado ao Hovet.

Nos primeiros dias, até que os veterinários pudessem fazer a sexagem do animal, acreditava-se que o indivíduo era uma fêmea: Xamã era Juma. Não que se importasse. Logo foi submetido uma bateria de exames para averiguar mais precisamente sua condição de saúde, a existência de quaisquer doenças e para orientar o tratamento de recuperação. 

“Xamã foi recebendo inicialmente reposição nutricional e apresentando uma melhora consistente do score corporal. Gradualmente foram sendo introduzidos elementos de enriquecimento ambiental para que ele se sentisse seguro no recinto temporário, nesse novo local em que ele estava agora, sozinho, e para estimular o seu desenvolvimento”, relata a professora Elaine Dione.

Com o passar do tempo, o mais importante, a equipe seguiu um protocolo cuidadoso e constatou que Xamã manteve instintos selvagens, como o comportamento arisco em relação à presença humana.

Para o objetivo de reintrodução na natureza este é um aspecto vital. Evitar o imprinting – grosso modo, a habituação ou apego aos humanos – é fundamental para garantir o sucesso no retorno à vida selvagem. Do ponto de vista do bem-estar de um animal, ou seja, da possibilidade de um indivíduo expressar plena e livremente todos os comportamentos naturais, o retorno à natureza é o caminho a ser seguido. Animais selvagens devem viver uma vida selvagem.

Onça-pintada no meio da natureza, olhando atentamente para frente

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Apoio no tempo certo

O início de um projeto para ajudar diversas espécies impactadas por incêndios florestais em MT em 2022 proporcionou a chance para que o filhote de onça-pintada fosse atendido, avaliado e encaminhado em menos de seis meses, algo que viabilizou o caminho de volta à natureza.

“Xamã chegou ao Hovet quando estávamos começando um projeto de apoio aos animais resgatados e destinados para a unidade como vítimas diretas ou indiretas do fogo. O esforço deu continuidade a algo que já havíamos feito no Pantanal do Mato Grosso do Sul, em 2021 e 2022, e que então estávamos direcionando para áreas de Cerrado e Amazônia no Mato Grosso no segundo semestre do ano”, conta David Maziteli. 

Christine Steiner São Bernardo, diretora-executiva do IEco, detalha o trabalho feito pela organização: “Estamos baseados em Sinop e entramos como parceiros da Proteção Animal Mundial para desempenhar um acompanhamento local e facilitar a interlocução com a equipe da linha de frente do hospital. Temos nos dedicado a um trabalho de monitoramento de fauna em áreas, queimadas ou em risco, e acompanhado animais resgatados para que tenham remédios e alimentação garantida. E para que sejam destinados a recintos de reabilitação, nos quais o comportamento de cada um é avaliado para futura reintrodução monitorada na natureza”.

A jornada de Xamã

Imagem de drone destacando o recinto de reabilitação do Xamã.

Com a certeza da saúde plenamente restituída e dos comportamentos naturais preservados para garantir as melhores perspectivas para a hipótese de reintrodução, já em meados de outubro foi consolidada a rede de parceiros para o projeto Xamã. Teve início então um complexo e cuidadoso trabalho de planejamento. 

A documentação foi organizada a seguir e a autorização para o transporte foi obtida em novembro. Em paralelo, foi sendo estudada a logística de transporte entre o Hovet em Sinop e o recinto no Pará, que poderia envolver transporte terrestre, aéreo (o que demandaria participação da Força Aérea Brasileira) ou um misto dos dois.

Com a confirmação das distâncias, da condição das estradas, da estimativa do tempo de deslocamento e da avaliação dos possíveis impactos sobre o animal, a opção do trajeto integralmente por terra for feita. 

A licença SISBIO para reabilitação foi concedida no final de dezembro e, a movimentação, enfim planejada para o dia 20 de janeiro. Com todos os recursos e providências no lugar, a preparação para a movimentação de Xamã teve início ainda na tarde do dia 19.

Foi realizada a sedação, uma nova bateria de exames e a acomodação em uma caixa de contenção e transporte construída especialmente para ele. Em comparação com o momento da chegada, o animal havia crescido bastante e atingido 27,5 kg, quase triplicando de peso.

O deslocamento envolveu uma força-tarefa, envolvendo desde monitoramento de cada passo do processo ao registro de imagens. Teve início na madrugada do dia 20, bem antes do sol nascer, para minimizar o estresse, a exposição térmica e as chances de interferências de tráfego urbano e rodoviário.

Por volta das 5h30 A caixa de Xamã foi posicionada no veículo para iniciar o trajeto total de quase de 500km, incluindo rodovias principais, secundárias, travessia de balsa e 80 km de estrada de terra. 

Ao longo do percurso foram feitas pausas regulares para checagem do animal, além de hidratação e alimentação. A cada cabine de pedágio ou parada, quem conseguia perceber a onça-pintada se encantava com a já poderosa presença do filhote.

Perto do final do dia, Xamã chegava ao recinto de reabilitação. Logo na transferência da caixa de transporte para o recinto de cambiamento (uma pequena separação temporária na entrada do recinto principal), o comportamento de Xamã deixava claro seu desejo de se afastar das pessoas e de se embrenhar novamente na mata.

O time decidiu, portanto, por descartar a necessidade de pré-adaptação e optou pela soltura direto na área de 15 mil m2 do recinto de imersão. Dito e feito, aberta a porta do cambiamento, Xamã partiu em disparada para a mata, sem olhar para trás, para alegria e orgulho de todos os envolvidos.

Como uma benção da mãe natureza, a leve chuva que caia naquele momento na região se transformou quase que imediatamente em uma grossa chuva amazônica. Seja bem-vindo, Xamã! 

Próximos passos

Mantendo o protocolo de bem-estar, a partir de agora Xamã está sendo assistido permanentemente por uma equipe biólogos para ganhar os comportamentos básicos de sua espécie, como caça e defesa. Será estimulado a realizar o que teria aprendido da mãe até por volta de 17 meses de idade.

Ele tem todo o recinto de floresta amazônica nativa densa e rica exclusivamente para ele. No dia a dia, o contato com humanos é mínimo e ele tem as movimentações essencialmente acompanhadas por câmeras. 

Em tempo, depois de um período inicial de sumiço, o primeiro registro de Xamã em seu recinto foi capturado por uma câmera remota na manhã de ontem. Ele se alimenta normalmente e tem explorado ativamente a nova casa.

Quando atingir a maturidade e alcançar a autonomia para viver novamente na floresta e exercer seu papel ecológico, inclusive como macho saudável e fértil, podendo contribuir para o aumento populacional da espécie, será solto, mas seguirá ainda sob monitoramento remoto por algum tempo.

Ele ganhou um rádio colar que permite aos especialistas acompanharem remotamente, por pelo menos um ano, aspectos como a sua movimentação, a atividade de delimitação de espaço e a marcação de território.

“Eu costumo dizer que a gente só faz uma parte do trabalho, o animal é que faz todo o resto”, diz Leonardo Sartorello, biólogo coordenador do Programa de Reintrodução do Onçafari e supervisor do projeto envolvendo Xamã a partir de agora. “Nós avaliamos o animal, juntamente com professora Elaine, e o comportamento inicial dele foi excelente! Ele é um animal arredio mesmo, e isso é muito bom, porque sei que no futuro e não irá se aproximar de nenhuma propriedade e de nenhuma pessoa. Ele não tem medo de pessoas, mas respeito. Isso é bom para ele, uma vez que significa que irá se virar bem sozinho. Aprendendo a executar os comportamentos da espécie e a disputar o território dele, o ser humano não será um problema”, prossegue.

Sobre o pioneirismo do projeto Leonardo avalia: “O Xamã representa um desafio, pois será o primeiro macho reintroduzido na Amazônia, com todo treinamento e o monitoramento adequado para avaliarmos o sucesso do processo. Outras tentativas já foram feitas, mas não com essa abordagem desenvolvida com sucesso ao longo dos anos, e isso pode ser um grande divisor de águas para a conservação da espécie”.

Durante todo esse processo, Xamã gerará mais dados que indicarão a sua adaptação e que irão ajudar na reabilitação futura de outros machos da espécie, amparando, inclusive, decisões para políticas públicas.

Vítimas do fogo

O local de resgate, a época e as condições gerais do animal indicam a possível história de Xamã. Como comentado, a provável separação da família foi forçada por um incêndio florestal.

Essa situação não é muito diferente daquela de tantos animais que habitam o norte do Mato Grosso – uma zona de imensa biodiversidade na transição entre o Cerrado e a Amazônia – e que acabam precisando de atendimento veterinário de urgência. 

Entre diversos fatores, na região de Sinop a vida silvestre local ainda sofre os reflexos da inundação de áreas em razão da instalação de quatro usinas hidrelétricas no Rio Teles Pires e da substituição de floresta por imensas áreas de plantação de soja e pastagens. Somando-se a isso, anualmente no período de maio a outubro há um aumento de episódios de incêndios florestais, principalmente causados por atividade humana. 

De fato, em 2022, observando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a quantidade de focos, e de grandes e duradouros incêndios, foi particularmente grande por ali entre meados de agosto e setembro, quando Xamã precisou ser resgatado. Para as onças-pintadas, predadores de topo da cadeia alimentar e que necessitam de áreas de vida muito vastas (até 170 km2), a degradação de sua morada é gravíssima. 

Esse quadro de perda de habitats e queimadas se traduz para os animais em impactos diretos principalmente de queimaduras, desidratação, asfixia por fumaça. No momento da fuga, a desorientação costuma levar a traumas diversos, como choques contra edificações, atropelamentos ao cruzar estradas ou a encontros com animais domésticos.

No pós-fogo, a perda de ninhos, a falta de alimento (pela morte de presas, queima da vegetação, de frutos e sementes) ou de água aparecem como impactos indiretos ligadas aos fogos sobre a vida silvestre. 

A separação dos filhotes de suas famílias soma-se a tudo isso. Para os jovens animais que conseguem se recuperar, mas que não aprenderam os comportamentos básicos de sobrevivência, isso surge como um novo obstáculo para o retorno aos seus locais adequados de vida: na natureza de origem.

“A conscientização de todos é urgente. Nos últimos 50 anos as superfícies de terras dedicadas à monocultura de soja cresceram a uma taxa muito maior do que a da expansão da população global. O que é pior, cerca de 75% dessa produção acaba virando ração para alimentar animais confinados em sistemas intensivos, que em geral não respeitam padrões mínimos de bem-estar animal. Fora os impactos demonstrados sobre a vida silvestre, essa realidade está relacionada à segurança alimentar. As terras destinadas à produção de grãos para a fabricação de ração animal poderiam gerar alimentos destinados diretamente ao consumo humano, com um uso mais racional de recursos”, alerta o gerente da Proteção Animal Mundial.

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