Galinhas presas em gaiola

Crise da gripe aviária no Brasil: um teste para as políticas públicas de biossegurança e comércio exterior

Notícias

Por

Surto de gripe aviária expõe falhas estratégicas do Brasil, riscos ao comércio exterior e a urgência de políticas públicas integradas.

A recente crise sanitária provocada pelo surto de gripe aviária no Brasil revelou fragilidades importantes na articulação entre saúde animal, segurança alimentar e política comercial. Embora o país tenha retomado rapidamente o status de “livre de Influenza Aviária de Alta Patogenicidade em granjas comerciais”, a sequência de embargos internacionais — ainda que pontuais — gerou impactos significativos tanto na economia quanto na credibilidade sanitária do agronegócio brasileiro.

De um lado, o bloqueio temporário das exportações brasileiras de frango, após a confirmação de casos no Rio Grande do Sul, resultou em uma queda imediata no preço da carne de frango no mercado interno, contribuindo para a contenção da inflação dos alimentos. Estima-se uma redução de até 0,10 ponto percentual no IPCA do período, aliviando o bolso do consumidor brasileiro em um contexto de alta nos alimentos. No entanto, essa “vitória” inflacionária esconde um problema estrutural: a fragilidade das cadeias produtivas frente a surtos sanitários e a ausência de mecanismos de compensação para produtores que sofrem perdas por paralisações forçadas nas exportações.

Segundo analistas do setor, o Brasil perdeu até US$ 200 milhões em exportações por mês com os embargos, afetando especialmente pequenos e médios produtores integrados ao sistema de agroindústria. Sem uma política pública de compensação emergencial ou subsídio transitório, essas perdas comprometem a sustentabilidade da produção e colocam em risco empregos e abastecimento futuro.

O que se viu, portanto, foi uma resposta reativa do governo — centrada em negociações diplomáticas pontuais e em ações de contenção do surto. Embora a atuação das autoridades sanitárias tenha sido tecnicamente correta e rápida, faltou uma estratégia de longo prazo baseada em regionalização de riscos. Países como Austrália e Estados Unidos operam sob protocolos de “zonificação sanitária”, que permitem restringir as exportações apenas de áreas afetadas, sem paralisar toda a produção nacional. O Brasil ainda não tem esse reconhecimento internacional plenamente consolidado — uma lacuna que precisa ser corrigida com urgência.

A visita da comitiva brasileira à China, no contexto da comissão sino-brasileira Cosban, evidenciou a tentativa do governo de preservar os acordos comerciais mesmo diante da crise. Porém, o tema da gripe aviária foi tratado como questão emergencial, e não como parte da agenda estruturante de segurança sanitária. Essa abordagem fragmentada compromete a confiança internacional no sistema de vigilância brasileiro. Afinal, não basta conter surtos: é preciso demonstrar capacidade de prevenir, isolar, comunicar e rastrear com transparência.

Outra dimensão negligenciada na resposta pública foi a integração com a abordagem “One Health” — que considera as interdependências entre a saúde humana, animal e ambiental. A presença do vírus H5N1 em mamíferos, como gatos e bovinos nos EUA, e os recentes casos humanos na Ásia (incluindo mortes por gripe aviária no Camboja e na Índia), acendem um alerta importante. É indispensável que as políticas de saúde animal no Brasil se integrem às vigilâncias de saúde pública e ambiental, com sistemas de alerta precoce e investimento em biosegurança, especialmente para trabalhadores rurais e pequenos criadores.

Frente a esses desafios, o Brasil precisa de um novo pacto de políticas públicas que envolva:

  1. Criação de um fundo emergencial para produtores afetados por embargos sanitários;
  2. Reconhecimento e aplicação de protocolos de regionalização nas exportações;
  3. Fortalecimento da vigilância epidemiológica integrada (One Health);
  4. Diplomacia sanitária ativa e contínua, não apenas em momentos de crise;
  5. Programas de biosegurança com apoio técnico e financeiro para as cadeias produtivas locais.

A gripe aviária, portanto, é mais do que uma crise sanitária. É um teste de maturidade das nossas políticas públicas frente à globalização dos riscos, à competitividade agroexportadora e ao compromisso com a saúde coletiva. Se não aproveitarmos este momento para reestruturar nossas estratégias, estaremos apenas empurrando para o futuro uma vulnerabilidade que já se mostrou cara demais.

Saiba mais