
Mauro Galetti: não há bem-estar animal com as mudanças climáticas
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O cientista analisa o impacto dos eventos extremos, como os incêndios florestais, no bem-estar dos animais silvestres.
Naturalista apaixonado e um dos cientistas mais influentes do mundo, Mauro Galetti tem dedicado sua vida a compreender e proteger a biodiversidade em um planeta em transformação. Com uma carreira que une rigor científico, sensibilidade ambiental e uma escrita acessível, ele estreou como autor de Um naturalista no Antropoceno, obra que mistura memórias de campo com reflexões profundas sobre o papel da humanidade na era das mudanças climáticas. O livro é um convite a repensar nossa relação com a natureza e buscar caminhos possíveis de sobrevivência, não só da nossa espécie, mas de toda a vida na Terra.
Professor titular da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com passagem por instituições de prestígio como a Universidade de Cambridge e a Florida International University, Galetti tem mais de 250 publicações científicas e atua em frentes que vão da ecologia aplicada ao desenho de políticas públicas. Sua trajetória combina trabalho de campo em regiões como a Amazônia, o Pantanal e Bornéu com a constante missão de comunicar a ciência de forma clara e mobilizadora. Para ele, proteger a fauna não é apenas uma escolha ética, é uma necessidade para garantir o equilíbrio ecológico e o bem-estar coletivo em tempos de colapso climático.
Nesta entrevista, Mauro Galetti compartilha sua visão sobre alguns dos efeitos das mudanças climáticas na vida silvestre no Brasil. Com base em pesquisas recentes e décadas de observação direta da natureza, ele nos ajuda a entender quais espécies estão mais vulneráveis, como eventos extremos afetam o comportamento e a saúde dos animais e por que o bem-estar da fauna silvestre deve ganhar protagonismo nas decisões ambientais. Uma conversa essencial para quem acredita que um futuro mais justo e sustentável também passa por escutar e proteger todas as formas de vida.
Professor, quais grupos de animais silvestres têm sido mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas no Brasil?
Sem dúvida todos os anfíbios. Já existem diversos trabalhos modelando a distribuição de espécies e como eles dependem de água para seu ciclo de vida, e como toda a questão de mudança no clima envolve mudança na frequência e localização das chuvas, portanto esse grupo será um dos mais afetados. Os pequenos mamíferos também. Acabamos de publicar um trabalho sobre isso.
Os eventos climáticos extremos, como queimadas no Pantanal ou secas na Amazônia, estão impactando o comportamento, a saúde e o bem-estar de espécies silvestres?
Sem dúvida. Um exemplo: houve um aumento de densidade de onças-pintadas em algumas regiões por causa das queimadas. Com uma maior concentração de predadores de topo em uma região, as presas naquele local ficam bem mais estressadas. Isso deve ter causado maior efeito nas populações. Ainda não existem muitos trabalhos sobre o antes e o depois do fogo, mas aos poucos mais estudos estão entendendo melhor como o aumento e a intensidade dos incêndios estão afetando o comportamento das espécies.
Eu especularia que, com o aumento de predadores de topo (por deslocamento de habitat, que ficou queimado), o cortisol das presas deve ter aumentado significativamente, afetando a saúde dos animais silvestres. Isso sem falar dos herbívoros e frugívoros que estão sem recursos e sofrem com a chamada “fome cinza”.
Existem espécies que o senhor considera sentinelas ou indicadoras da crise climática no Brasil?
Todas as cinco milhões de espécies do Planeta vão ter que se adaptar, migrar ou serão extintas. Algumas espécies respondem mais rápido do que outras. As aves são excelentes sentinelas das mudanças no clima. Hoje estamos vendo diversas aves de ambientes secos na Mata Atlântica. Estamos vendo uma savanização da fauna, onde espécies de savanas (cerrado) estão invadindo naturalmente ambientes úmidos. Isso nos mostra que os ambientes úmidos estão secando na verdade.
Como os corredores ecológicos e áreas protegidas podem ser redesenhados para levar em conta as migrações de alguns animais pelo clima?
Usando modelos de distribuição de espécies para o futuro podemos redesenhar corredores climáticos. Ou seja, locais que oferecerão rotas para as espécies poderem migrar com as mudanças no clima.
O bem-estar de animais silvestres costuma ser pouco considerado nas políticas ambientais. Para o senhor, qual é o motivo delel não ser incorporado?
Eu acho que o bem-estar animal está muito associado a animais domésticos (pets) e os criados para alimentação (gado) e quase nunca se aborda os animais selvagens. Ainda achamos que eles irão “se virar” por serem silvestres, mas na verdade a maioria dos animais selvagens estão sofrendo um estresse adicional devido às ações humanas como caça, atropelamentos e incêndios. Uma anta hoje, além do estresse em encontrar alimentos e fugir de predadores, ela precisa driblar estradas, caçadores, percorrer áreas urbanas e isso certamente eleva os riscos, com impacto no seu estresse maior.
O senhor vê espaço para maior integração entre a ciência da conservação e as pautas do bem-estar animal?
Eu acredito que estamos caminhando para o reconhecimento que mesmo animais mantidos em laboratórios ou que são utilizados em pesquisas precisam estar bem e saudáveis. Hoje os cientistas estão mais atentos e mais criteriosos quando a pesquisa envolve animais e, ao mesmo tempo, os grupos organizados que pautam o bem-estar animal entendem a necessidade mínima do uso de animais em pesquisa. No fim do dia, os grupos convergem para a necessidade da proteção do maior número de espécies no planeta. Obviamente que alguns problemas ambientais, como espécies de animais exóticos e invasores destruindo um Parque Nacional, são mais complexos de solucionar.
Como a ciência pode contribuir para uma abordagem mais empática e ética na relação com os animais silvestres em tempos de colapso climático?
Todos sofrerão com as mudanças do clima, inclusive nós. Não queremos viver num mundo com três ou quatro espécies resilientes, mas sim num mundo diverso que possamos compartilhar com gorilas, elefantes, baleias, mico-leões, jacutingas etc. Quanto mais espécies pudermos compartilhar este planeta, melhor para todos, inclusive para os seres humanos. A ciência pode indicar meios práticos para mitigarmos os efeitos das mudanças no clima, mas são as pessoas, e como elas se sentem a respeito desse problema, que tomarão as decisões.
As palavras de Mauro Galetti nos lembram de uma verdade urgente, não existe bem-estar animal sem um planeta saudável. As mudanças climáticas estão afetando diretamente a vida silvestre, e proteger esses animais é também proteger o futuro da humanidade.
Se você também acredita que todas as espécies merecem viver com dignidade e segurança, junte-se a nós. Assine o manifesto em defesa da vida silvestre e ajude a pressionar por políticas públicas que garantam a sobrevivência dos animais em um mundo cada vez mais hostil.