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Pagamento por Serviços Ambientais: uma oportunidade histórica para reconhecer a Fauna Silvestre e a Agroecologia na política ambiental brasileira

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Consulta pública ofereceu chance única de corrigir essas ausências e consolidar uma política verdadeiramente sistêmica.

A regulamentação da Lei nº 14.119/2021, que institui a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), é mais um passo em direção a uma política ambiental inclusiva. Esta consulta pública, aberta pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, ofereceu uma oportunidade única para consolidar um framework robusto de valorização dos serviços ecossistêmicos, mas também revela lacunas significativas que demandam nossa atenção e contribuição ativa.

Vivemos um momento de inflexão ambiental global. A crise climática, a perda acelerada de biodiversidade e a degradação de ecossistemas exigem respostas sistêmicas e integradas. O Brasil, detentor da maior biodiversidade do planeta e de ecossistemas essenciais para o equilíbrio climático global, possui responsabilidade e oportunidade ímpares de liderar essa transformação.

A PNPSA surge como instrumento estratégico para reconhecer e remunerar aqueles que contribuem para a manutenção dos serviços ambientais essenciais à vida. Contudo, sua efetividade depende fundamentalmente de como conseguiremos traduzir a complexidade dos sistemas naturais em políticas públicas que reconheçam todas as dimensões da sustentabilidade.

A análise criteriosa da minuta do decreto revela duas ausências preocupantes que comprometem o potencial transformador da política. Primeira, a fauna silvestre, elemento central na provisão de serviços ecossistêmicos como polinização, dispersão de sementes e controle biológico, permanece invisibilizada nos dispositivos normativos. Segunda, a agroecologia, reconhecidamente o sistema produtivo que melhor concilia conservação e produção sustentável, não encontra menção explícita que assegure sua elegibilidade prioritária.

Essas lacunas não são meramente técnicas; representam uma visão fragmentada da natureza que desconsidera as interdependências fundamentais dos sistemas ecológicos. A fauna silvestre não é apenas um componente passivo da paisagem, mas um agente ativo na manutenção dos ciclos naturais que sustentam a produção agrícola e a estabilidade climática. Similarmente, a agroecologia não é apenas uma alternativa produtiva, mas um paradigma sistêmico que integra conhecimento científico e tradicional na construção de paisagens verdadeiramente sustentáveis.

A contribuição da fauna para os serviços ecossistêmicos é mensurável e indispensável. Polinizadores nativos respondem por uma parcela significativa da produção agrícola brasileira, incluindo culturas de alto valor econômico como café, frutas e oleaginosas. Predadores naturais exercem controle biológico que reduz drasticamente a necessidade de pesticidas, enquanto dispersores de sementes são fundamentais para a regeneração natural e a conectividade entre fragmentos florestais.

Reconhecer esse papel nos dispositivos da PNPSA significa criar incentivos diretos para a conservação e recuperação de populações silvestres, fortalecendo a resiliência dos sistemas produtivos e dos ecossistemas brasileiros. Significa também valorizar o conhecimento e as práticas de comunidades tradicionais que há gerações mantêm essa relação equilibrada com a fauna nativa.

A agroecologia representa a síntese mais avançada entre conhecimento científico e saberes tradicionais na construção de sistemas alimentares sustentáveis. Suas práticas promovem simultaneamente a captura de carbono, a conservação da biodiversidade, a segurança alimentar e a geração de renda para agricultores familiares.

Tornar explícita sua elegibilidade na PNPSA significa reconhecer que a transição para sistemas produtivos sustentáveis não é apenas desejável, mas urgente e viável. Significa criar condições econômicas para que produtores adotem práticas que beneficiem toda a sociedade, rompendo com a falsa dicotomia entre conservação e produção.

A inclusão de indicadores específicos para fauna funcional, conectividade ecológica e práticas agroecológicas nos relatórios de monitoramento da PNPSA é essencial para assegurar a efetividade da política. Sem métricas adequadas, corremos o risco de criar um sistema de incentivos desconectado dos resultados ambientais desejados.

Esses indicadores devem refletir não apenas a quantidade, mas a qualidade dos serviços ecossistêmicos providos, considerando a funcionalidade ecológica, a diversidade biológica e a sustentabilidade dos sistemas produtivos beneficiados.

Nossa contribuição à consulta pública da PNPSA reflete nosso compromisso com uma visão integrada de sustentabilidade que reconhece a interdependência entre bem-estar animal, saúde ecossistêmica e desenvolvimento sustentável. Nossas propostas não são apenas técnicas, mas representam uma escolha ética e estratégica por um futuro onde a convivência harmoniosa entre sistemas produtivos e conservação seja a norma, não a exceção.

O Brasil tem a oportunidade de liderar globalmente na construção de políticas ambientais verdadeiramente sistêmicas. A regulamentação da PNPSA pode se tornar referência mundial de como integrar ciência, tradição e inovação na valorização dos serviços ambientais. Para isso, é fundamental que o decreto final reflita a complexidade e a interdependência dos sistemas naturais, reconhecendo explicitamente o papel da fauna silvestre e da agroecologia na construção de um futuro sustentável.

A natureza não aceita fragmentação. Nossa política ambiental também não deveria.

Por Natália Figueiredo, Gerente de Políticas Públicas da Proteção Animal Mundial

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