Dentista americano mata leão Cecil, tesouro nacional do Zimbábue, em safári de caça

Carta para a Indústria de Turismo

Baleias e golfinhos mantidos em cativeiro, tais como golfinhos nariz-de-garrafa, baleia beluga e orcas, são predadores aquáticos, de mar aberto e mergulhadores de águas profundas. Na natureza, eles viajam entre 40 e 225 km em um dia, atingem velocidades que chegam a 50 km por hora e podem mergulhar a profundidades de 500 a 1.000 metros.1 Os golfinhos nariz-de-garrafa muitas vezes vivem em um ambiente natural superior a 100 km quadrados.2 Esses mamíferos são altamente inteligentes e sociáveis e apresentam um comportamento complexo.3 Nenhum empreendimento que mantém mamíferos marinhos em cativeiro consegue simular seu habitat natural, pois são geralmente tanques estéreis de concreto. Além disso, esses tanques são minúsculos na comparação com a área de vida dessas espécies. A maioria dos golfinhos nariz-de-garrafa ao redor do mundo são mantidos em tanques, em média, 200 mil vezes menor do que a área de seu habitat natural.2 A regulamentação dos Estados Unidos permite que dois golfinhos nariz-de-garrafa sejam mantidos em um tanque de 11,5 m2 e menos de 2 metros de profundidade.4 Até mesmo a mais recente proposta de emenda dessa regulamentação não inclui sugestões para aumentar esses requisitos mínimos.5 Além disso, os agrupamentos sociais de baleias e golfinhos mantidos em cativeiro não são naturais.6 Por exemplo, orcas, que na natureza podem passar a vida inteira com suas mães e irmãos, são normalmente retiradas de suas mães e colocadas em tanques separados com apenas três ou quatro anos de idade, se não mais cedo.7 

Devido a essas diversas diferenças de condições, baleias e golfinhos em cativeiro são frequentemente vistos se comportando de forma estereotipada: circulando e repetindo comportamentos sem propósito, o que é um indicador do baixo nível de bem-estar desses animais.8 Além disso, as taxas de mortalidade de golfinhos em cativeiro são semelhantes às das populações selvagens que enfrentam ataques de tubarões, doenças sem cuidados veterinários, contaminação por poluentes, atropelamento por embarcações e emaranhamento em redes de pesca.9 A taxa de mortalidade de golfinhos em tanques também é mais alta do que a de golfinhos que vivem em áreas naturais marinhas cercadas (“santuários costeiros”).10 As taxas de sobrevivência das orcas em cativeiro, em particular, são "baixas quando comparadas às das baleias assassinas selvagens"11, sendo que as orcas em cativeiro raramente vivem mais de 30 anos, com muitas morrendo na adolescência e na faixa dos 20 anos12. 

Além disso, a interação com mamíferos marinhos representa risco de transmissão de doenças zoonóticas, e a lista de doenças transmissíveis está crescendo, incluindo doenças de maior risco para a saúde humana1.Embora os treinadores de golfinhos e baleias em cativeiro estejam cientes desse aumento do risco ocupacional, é questionável expor diariamente visitantes e turistas a esses riscos, que podem levar, involuntariamente, à uma maior disseminação de doenças.

Recentemente observamos que várias empresas de viagens atualizaram suas políticas corporativas e firmaram compromissos públicos e de agora em diante não oferecem nem vendem ingressos para empreendimentos que mantém golfinhos em cativeiro – os chamados delfinários2 –,incluindo a TripAdvisor3, Virgin Holidays4 e Airbnb5. A Expedia é uma das maiores plataformas online de venda de experiências de viagem e férias. Em 21 de fevereiro de 2020, eles anunciaram que continuariam a promover e vender ingressos para delfinários desde que estes delfinários fossem "certificados" pela Associação Mundial de Zoológicos e Aquários (WAZA, na sigla em inglês) ou pela Aliança de Parques e Aquários de Mamíferos Marinhos (AMMPA). Embora entendamos que a intenção por trás dessa decisão seja ajudar a garantir um tratamento "aceitável" ou “humanitário” aos cetáceos que vivem em cativeiro, na prática as condições de cativeiro são prejudiciais para essas espécies.  

A adesão à associações globais como a WAZA, ou às associações de zoológicos nacionais – localizadas nos países – afiliadas à WAZA, ou a obtenção da certificação da AMMPA, não resolvem os problemas enfrentados pelos golfinhos que são mantidos em condição de cativeiro. WAZA e AMMPA podem inclusive incentivar a manutenção ou até mesmo o aumento da população cativa através da reprodução em cativeiro, bem como incentivam a emissão de licenças para retirar os animais da natureza por razões "legítimas".6 A AMMPA afirma que a captura na natureza deve ocorrer "de maneira humanitária" e usa o termo "coletar" para descrever um processo que é desumano e estressante.7 A maioria das associações usa padrões "baseados em desempenho", tais como exigir que um tanque tenha um tamanho que permita ao animal "expressar seu comportamento natural". Para os cetáceos, que podem mergulhar centenas de metros e nadar dezenas de quilômetros em um dia, essa exigência não tem efeito prático, visto que um tanque geralmente tem de 5 a 10 metros de profundidade e 30 a 50 metros de comprimento. Uma revisão recente constatou que o tamanho médio do maior tanque primário em delfinários era de apenas 444 m2, um pouco maior que a tela de um cinema IMAX e 200 mil vezes menor que a área de vida de um golfinho na natureza, que chega a 100 km2 numa estimativa conservadora.8

Além disso, na ausência de outros referenciais, a AMMPA considera a regulamentação dos Estados Unidos para requisitos de espaço mínimo.1 A regulamentação americana permite que dois golfinhos nariz-de-garrafa sejam mantidos em um tanque com superfície mínima de 11,5 m2 e profundidade mínima de 1,83 metros.2 Uma proposta para atualizar essa regulamentação em 2016 recebeu contribuições da AMMPA que teriam diminuído os comprimentos médios reconhecidos na lei para golfinhos e outros cetáceos1 ─ um passo que teria reduzido ainda mais os requisitos de espaço mínimo.
Desconsiderando a incapacidade dos cetáceos de prosperar em cativeiro, a WAZA é uma organização de afiliados2 que não exige que seus membros passem por um processo de certificação, assim como não inspeciona seus afiliados com vistas a garantir que não cometam violações em bem-estar animal e segurança.3 A WAZA tem um código de ética4, mas não aplica esse código de forma sistemática. Por exemplo, o código de ética da WAZA afirma que os afiliados não devem "rebaixar ou banalizar o animal de maneira alguma", mas relatório recente de uma ONG constatou que diversos afiliados da WAZA violam esses padrões ao promover espetáculos de golfinhos. Dentre os empreendimentos que oferecem shows de golfinhos e que possuem alguma certificação, ou que integram alguma associação, e que atualmente são promovidos no site da Expedia, 87% permitem que os golfinhos sejam montados por treinadores.5 Cruzando os delfinários identificados neste relatório com os afiliados de associações como WAZA, EAZA, AZA, JAZA ou ALPAZA, identificamos que 53 afiliados oferecem shows de golfinhos, dos quais 25 incluem treinadores montando nos animais ou sendo puxados por eles. As alegações de que essas acrobacias são educativas ou promovem a conservação não possuem fundamento.6 Atualmente, não há pesquisa demonstrando que as apresentações e shows de golfinhos em zoológicos ou aquários realmente resultem na conservação de cetáceos na natureza7 e, aparentemente, não há ganhos significativos para a educação do público que vê animais vivos em empreendimentos que mantêm mamíferos marinhos cativos.8

Além disso, a WAZA declarou que, embora outras associações de zoológicos e aquários sejam suas afiliadas, ela não tem poder para exigir nem impor os padrões que na prática acabam sendo adotados por essas afiliadas.9 

Os empreendimentos certificados pela AMMPA estão localizados principalmente nos Estados Unidos, México e Caribe. A AMMPA possui um programa de certificação que envolve uma inspeção de dois dias, mas os padrões são definidos com base nos interesses da indústria de delfinários, e não por especialistas independentes. Além disso, muitos empreendimentos certificados pela AMMPA estiveram envolvidos em práticas controversas, sem serem repreendidas. Por exemplo, a Atlantis Paradise Island, nas Bahamas, capturou em Cuba golfinhos nariz-de-garrafa selvagens de maneira não sustentável10, ainda em 2004.11

Mais recentemente, o Georgia Aquarium tentou adquirir na Rússia baleias beluga capturadas na natureza1, em processo de importação que foi negado pelo governo dos Estados Unidos devido à preocupações com a sustentabilidade. 

Portanto, nós, os cientistas signatários desta carta, acreditamos que a política atual da Expedia de trabalhar junto e promover atrações e parques que são afiliados e parceiros da WAZA e da AMMPA não garante a saúde e o bem-estar dos golfinhos que vivem em cativeiro, assim como estimula o fornecimento constante de novos animais para servirem à indústria do turismo.

Sendo assim, pedimos à Expedia e às demais empresas do mercado de turismo, incluindo operadoras e agências, que não confiem na filiação à WAZA e na certificação da AMMPA, visto que elas não servem como garantia de saúde e bem-estar dos golfinhos em cativeiro.

Yolanda Alaniz Pasini, PHM, Cientista e Consultora da Conservación de Mamíferos Marinos de Mexico, COMARINO, México

Giovanni Bearzi, PhD, Presidente, Dolphin Biology and Conservation, Itália.

Maddalena Bearzi, PhD, Presidente, Ocean Conservation Society, EUA.

Silvia Frey, PhD, KYMA Sea Conservation & Research, Suíça.

Toni Frohoff, PhD, Diretor, TerraMar Research, EUA.

Bárbara Galletti, Presidente e Diretora Científica, Centro de Conservación Cetacea, Chile.

Samuel Hung, PhD, Diretor, Hong Kong Cetacean Research Project, Austrália e Hong Kong.

Andrew Lewin, Presidente, Speak Up for Blue, Canadá.

Michael Lück. PhD, Professor, School of Hospitality and Tourism, AUT University, Auckland, Nova Zelândia.

Giuseppe Notarbartolo di Sciara, PhD, ecólogo de conservação marinha, Itália.

E.C.M.  Parsons, PhD, Pesquisador Associado, Institute of Biodiversity, Animal Health & Comparative Medicine, Glasgow University, Reino Unido.

Heather Rally, DVM, Veterinária Supervisora, PETA Foundation, EUA.

Diane Reiss, PhD, Diretor, Animal Behavior & Conservation Programs, Hunter College, City University of New York, EUA.

Fabien Ritter, Presidente, MEER eV, Alemanha.

Mario M. Rollo Jr., PhD, Professor Assistente, Instituto de Biociências, Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), Brasil.

Naomi A. Rose, Cientista de Mamíferos Marinhos, Animal Welfare Institute, Reino unido.

Ashley Sitar Soller, PhD, Speak Up for Blue, EUA.

Liz Slooten, PhD, Professor, Otago University, Nova Zelândia.

Jeffrey Ventre, MD (ex-treinador de mamífero marinho), Virginia Mason Memorial, Washington, EUA. 

Ingrid Visser, PhD, Orca Research Trust, Nova Zelândia.

Lindy Weilgart, PhD, Consultor, OceanCare and Dalhousie University, Canadá.

Thomas White, PhD, Professor Emérito de Ética Empresarial, Loyola Marymount University; Fellow, Oxford Centre for Animal Ethics

Hal Whitehead, PhD, Professor, Dalhousie University, Canadá.