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10 caminhos para os governos reduzirem efeitos da pecuária industrial intensiva na nossa saúde

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De acordo com a perspectiva de Saúde Única, medidas que asseguram bem-estar de animais em sistemas de produção por si só já geram grandes benefícios simultâneos também para a saúde humana e ambiental

Reconhecer realidades, imputar responsabilidades e promover uma atribuição real de custos nos preços dos produtos de origem animal. Pautar mudanças significativas, ancoradas em debate, tendo por base padrões mínimos de bem-estar de trabalhadores, cidadãos e animais, sempre privilegiando alternativas sustentáveis. Fazer uso justo de recursos públicos, livre de uma relação viciada de poderes e influências, honrando compromissos internacionais estabelecidos mutuamente. Incentivar para as populações dietas saudáveis, ricas em alimentos frescos, mais diversas em fontes de proteínas e com quantidades decrescentes de carnes e laticínios. Atuar de forma integrada e decisiva para evitar a catástrofe da resistência antimicrobiana (RAM), crise impulsionada por práticas irresponsáveis ainda toleradas na produção animal.

Esse é o extrato de um conjunto de 10 recomendações para a atuação de autoridades públicas na implementação de políticas e ações que visam mitigar e corrigir efeitos negativos do sistema que, a partir da venda maciça de produtos de origem animal, está exaurindo recursos naturais, avançando limites éticos e causando problemas gigantescos, com gastos de trilhões de dólares em contenção de danos e a perda de milhões de vidas a cada ano.

“Mais do que a mera eliminação de um sistema problemático, que foi crescendo em paralelo a uma população cada vez mais urbana, ou a substituição de uma ou outra peça isoladamente, nossas recomendações devem ser interpretadas como caminhos para uma evolução concreta. Buscam preservar a importância do setor agropecuário na geração de emprego e renda em todo o mundo, mas dentro de uma abordagem ética e sustentável, que considera conhecimentos científicos atuais e a interconexão de causas e efeitos, algo próprio dos sistemas naturais envolvidos”, esclarece o gerente de Agropecuária Sustentável da Proteção Animal Mundial, José Ciocca.

As sugestões são voltadas para tomadores de decisão em todo o mundo e para governantes em nível local, regional e nacional. Os problemas endereçados incluem os mais evidentes e notórios, mas centram foco especialmente nos impactos mais silenciosos e menos conhecidos. No cerne da discussão está o fato de que esses efeitos – que afetam indistintamente pessoas, animais e o ambiente – permitem a injusta acumulação de benefícios privados de forma altamente concentrada, enquanto os danos econômicos, sociais e de saúde são amplamente distribuídos.

Tanto os diagnósticos quanto as propostas fazem parte do recém-publicado relatório “Os Impactos Ocultos da Pecuária Industrial Intensiva”. O documento global é fruto de trabalho conjunto da Proteção Animal Mundial e da consultoria Tasting The Future. Foi elaborado a partir da compilação de pesquisas acadêmicas diversas e concebido segundo o conceito de cinco maneiras pelas quais os sistemas alimentares afetam negativamente nossa saúde, conforme descrito pela Organização Mundial da Saúde (OMS): dietas insalubres e insegurança alimentar; patógenos zoonóticos e resistência antimicrobiana; alimentos inseguros e adulterados; contaminação e degradação ambiental; riscos ocupacionais.

Desdobradas a partir dessa análise, cada uma das10 propostas para a ação governamental está detalhada numa seção específica ao final do relatório. A seguir apresentamos as recomendações gerais às autoridades:

1.   Reconhecer os impactos interligados dos sistemas de agropecuária industrial intensiva sobre a saúde pública e o planeta, e comprometer-se a parar de incentivá-lo;

2.   Assegurar que as políticas fiscais, incluindo tributação, e políticas e programas sociais, pesquisa e investimentos em infraestrutura se alinhem para refletir os verdadeiros custos de saúde, sustentabilidade e bem-estar animal dos sistemas de produção animal;

3.   Estabelecer planos nacionais para apoiar uma transição justa da produção pecuária industrializada intensiva para sistemas agroecológicos que produzam alimentos de base vegetal sustentáveis e mantenham um menor número de animais de criação primordialmente em ambientes de alto bem-estar;

4.   Garantir abordagens integradas, participativas, transparentes e baseadas em direitos para a governança e a elaboração de políticas em todos os níveis do sistema pecuário;

5.   Introduzir incentivos de política comercial que facilitem cadeias de valor mais curtas de produtos de origem animal e que apoiem alimentos de origem animal agroecológicos, regenerativos e de base pastoril;

6.   Cumprir os requisitos mínimos de bem-estar animal da Farms Initiative (Farm Animals Responsible Minimum Standards) para produção ou aquisição;

7.   Acabar com os subsídios e o apoio político a sistemas de pecuária industrial insalubres e injustos, e redirecioná-los para apoiar sistemas regenerativos, agroecológicos e pastoris que proporcionam melhores resultados em termos de saúde humana, animal e planetária;

8.   Comprometer-se com uma moratória sobre a pecuária industrial intensiva, em conformidade com os planos nacionais de ação climática (conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas) em reconhecimento aos impactos da pecuária industrial intensiva sobre o clima;

9.   Promover dietas humanas saudáveis e sustentáveis, inclusive aquelas que colaboram para redução global média de 50% no consumo e produção de carne e laticínios até 2040, por meio do fornecimento de orientação alimentar saudável e outros incentivos financeiros;

10. Desenvolver planos de ação nacionais de Saúde Única, Bem-estar Único e planos nacionais de resistência antimicrobiana que reconheçam os impactos de rebanhos industrializados sobre a saúde e restrinjam seu crescimento, banindo o uso de antibióticos na agropecuária como promotor de crescimento e de forma profilática (preventiva).

Preocupação local

No Brasil, o tema da resistência antimicrobiana é uma das principais linhas de trabalho da equipe local da Proteção Animal Mundial atualmente. Ela é foco da campanha “Haja Estômago!” de informação e conscientização sobre o problema.

De acordo com os estudos mais recentes, cerca de 1,3 milhão de mortes em todo mundo são relacionadas à gradual perda de eficácia dos medicamentos atuais para combater doenças microbianas (causadas por bactérias, vírus, fungos e parasitas). As fontes do problema são diversas, mas a pecuária industrial intensiva usa hoje cerca de 75% da produção mundial de antibióticos e tem papel central no agravamento dos riscos.

O uso de antibióticos na produção animal é inadequado quando acontece de forma rotineira (frequente), profilática (preventiva) e maciça (em rebanhos inteiros). O ideal é que seja pontual e em indivíduos específicos com uma infecção constatada. Também é inadequado o uso quando objetiva acelerar o crescimento dos animais. Esses usos são problemáticos porque contribuem para o processo de seleção de bactérias cada vez mais resistentes aos medicamentos. Na Europa, por exemplo, já existem normas bastante restritivas quanto a tais usos indiscriminados.

A Proteção Animal Mundial prega que os animais de produção devem ser criados em sistemas livres de crueldade, humanos e sustentáveis, nos quais suas necessidades sejam totalmente atendidas. Isso garante que eles sejam mais resistentes a doenças, e que a dosagem de rotina de antibióticos não seja necessária.